É do ser humano notar o quanto alguém é especial somente depois que não pode mais contar com sua presença física. Talvez isso tenha origem no ensinamento religioso que nos incutiu na mente conceitos como humildade, orgulho e vaidade. Homens e mulheres ‘de bem’ devem ser humildes, não alimentar vaidade e orgulho – isso sintetizando bem a lista.
Tudo bem, até aí concordo. Embora saibamos que tem muita gente por ai sendo ‘humilde’ por ‘vaidade’ e ‘orgulho’, não devemos nos gabar por nossos feitos e qualidades, até porque nossas ‘pisadas da bola’ e defeitos são tantos que cai tudo na lei da compensação. Ou seja, ficam elas por elas.
Mas daí... Não notar quem está ao nosso lado, ou pior, fazê-lo somente depois que ‘perdemos’, é egoísmo mesmo! E não é porque dona Irene é minha mãe, mas tenho que aproveitar enquanto ela ainda pode me ouvir para dizer: PQP... É uma mulher maravilhosa!
Poderia listar suas inúmeras qualidades e defeitos que a fazem ser única, mas vou me deter apenas na lição dessa tarde.
Desde meus 19 anos criamos um ritual muito particular, que tentamos manter até hoje, mesmo depois de ter saído de casa. É o ritual do bolo com café! Isso surgiu meio que sem querer, como uma expressão de carinho. Minha ‘baixinha’ sempre foi fã de café (como boa paulista que é) e naquela época, com a faculdade trancada, estava na minha fase de experimentações culinárias.
O resultado disso é que quase todo finzinho de tarde (especialmente nos chuvosos) preparava uma de minhas receitas e levava pra ela um bolo com café quentinho. Era o momento de pararmos e conversarmos sobre a vida. Aliás, foi em um desses momentos que comuniquei a minha decisão de sair de casa, deixar Minas Gerais e voltar à Maceió para terminar a faculdade.
Bem, voltando pra 2007... Hoje foi tarde de ritual. “Filha, vou passar aí para tomarmos um café”. Mais do que tomar um café, ela veio me ensinar sobre a vida, sobre SER humano.
Quando a baixinha chegou, trouxe consigo um sorriso iluminado que me fez voltar a ser criança e dar uma trégua na agitação dos meus dias. Fomos pra cozinha passar um café fresquinho, boa desculpa para conversarmos.
No bate papo percebi que estava diante de uma pessoa com uma capacidade de doação como a muito não se vê. Embora já soubesse disso, o fato ficou mais evidente e me fez enxergar o tamanho egoísmo em que vivemos.
Pra minha ‘velinha’ os seus 60 e poucos anos e filhos criados não são sinal de calmaria. Os planos eram chegar a essa idade desfrutando de uma aposentadoria tranqüila, entretanto, os acontecimentos, entre eles os pacotes econômicos do Brasil, foram traçando novos caminhos. Mas, embora todos os perrengues e preocupações de esposa, mãe, pequena empresária, ela consegue, espontaneamente, abstrair-se de si em favor de alguém, mesmo que esse alguém seja um completo desconhecido.
O dia de ontem foi um exemplo disso. Ela estava a caminho do trabalho, véspera de feriado de Corpus Christi, com uma dor tremenda no pé que mal a deixava andar (o famoso esporão) quando encontrou um senhor bastante idoso sentado na calçada. Limpo, mas com a saúde muito fragilizada, o que se podia perceber pelo semblante e os gemidos.
Talvez a maioria das pessoas (onde me incluo) passasse despercebida pela cena ou mesmo não se preocupasse em parar, julgando ser apenas mais um dos ‘bêbados’ largados pela rua. Mas a dona Irene não! Passou, pensou em seguir, mas, não conseguiu ignorar e voltou! Tentou conversar com aquele senhor que mal conseguia falar tamanha a dor que sentia. Atenciosamente esperou ele se acalmar para ouvi-lo e descobriu que ele vinha de uma cidade do interior, chamada São Luiz do Quitunde, em busca de um remédio que lhe prometeram (detalhe: uma vereadora havia lhe prometido).
O tal senhor chegará à Maceió na noite anterior, porque o combinado era que estivesse na casa da ‘benfeitora’ às 8h daquela manhã para receber o tal remédio. Remédio, aliás, que deveria ser fornecido pelo nosso ‘eficiente’ Sistema Único de Saúde (SUS). Para não correr o risco de se atrasar, uma vez que não conhecia a cidade e ainda teria de procurar pela residência que ficava em algum lugar do bairro de Ponta Verde, preferiu se antecipar.
Conseguiu ajuda de alguém que lhe pagou um pernoite e café da manhã em hotel próximo a rodoviária e, como planejado, estava na casa da vereadora no horário combinado. Mas acontece que a sujeita resolveu aproveitar o feriadão e viajou, picou a mula.
Dona Irene poderia ter parado por ali, no máximo ter dados ‘alguns trocadinhos’ para ajudar. Mas ela não contentou em apenas ouvir. Convidou o senhor para acompanhá-la até seu restaurante e aguardasse enquanto ela veria de que maneira poderia ajudá-lo a adquiri o tal medicamento.
Lembrando que bem próximo havia uma igreja que dispunha de serviço de Assistência Social, pediu para uma de suas funcionárias acompanhar o senhor até a igreja em busca de ajuda. Mas ainda era cedo e a assistente social que prestava trabalho voluntário só estaria por lá depois das 17h. Sem saber o que fazer, a moça voltou ao restaurante com o senhor, que mal conseguia sustentar o próprio corpo, apoiado em uma bengala.
Embora tantas tarefas para fazer, minha mãe não desistiu de ajudá-lo e imediatamente ligou para uma farmácia. Ela mesma compraria o tal remédio. Mas o medicamento estava além de suas possibilidades. As seis ampolas descritas na receita custavam a bagatela de R$ 280,00. Por mais que quisesse ajudar, aquele realmente era um fator limitante.
Bem, novamente ela teve a oportunidade de parar por ali, mas não o fez. Lembrou-se de seus clientes que trabalhavam em clinicas e laboratórios e saiu ligando para todos eles. Infelizmente, ninguém pôde ajudar.
A essa altura, o senhor que aguardava sentado agradeceu e disse que ela não precisava mais se incomodar.
Quem disse que ela deu-se por satisfeita? Lembrou-se do centro espírita que freqüenta esporadicamente. Sabia que lá havia um ambulatório e quem sabe, poderia encontrar o tal remédio. Sem sucesso!
Mas, nesse contato, a pessoa que a atendeu, esposa de um médico, sensibilizou-se com a história e decidiu entrar na empreitada. Cinco minutos depois, dona Irene recebeu o telefonema de um médico, Ivan, falando para que ela aguardasse porque ele estava tentando conseguir o medicamento.
Enquanto isso o senhor pediu que minha mãe o ajudasse a levantar. Segundo ele, sentado suas dores eram maiores. Assim ela o fez e ele ficou dando pequenos passos pela calçada em frente ao restaurante.
Enquanto aguardava o retorno do telefonema, ela ocupou-se das tarefas do trabalho e por alguns instantes distraiu-se da figura do senhor. Minutos depois Dr. Ivan liga. Não havia conseguido o medicamento, mas fez uma ‘vaquinha’ entre amigos e arrecadou o dinheiro para comprar o remédio.
Mas, para sua surpresa, quando dona Irene foi comunicar a boa notícia ao senhor, ele já havia ‘desaparecido’. Sentindo-se frustrada, mamãe me contava o fato, decepcionada por não ter conseguido ajudar o ‘velinho’.
Sentada diante daquela mulher, que já havia criticado várias vezes pela sua boa fé e inocência, não consegui falar uma só palavra. Em mim, apenas o sentimento de gratidão por tê-la como mãe.
quinta-feira, 7 de junho de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Sem palavras...
ResponderExcluirBeijão
Eu já tinha percebido que sua mãe era uma mulher de verdade. Mas essa história é surpreendente. Um verdadeiro exemplo de caridade.
ResponderExcluirParabéns pela Mãe!
Beijos