Prometo que terei mais cuidado meus amigos, prometo!Aquele foi um dos dias em que a rotina é colocada de lado e nos faz pensar no tal “efeito borboleta”. Em como o “acaso” faz sua programação, como escolhe pessoas e situações.
Era pra ser um dia em que, normalmente, acordaria cedo e sairia para fazer meu treino de bicicleta. Mas, a viagem para o Rio de Janeiro fez com que alterasse minha programação. Tinha de estar no aeroporto às 10h30 e ainda faltava arrumar algumas coisas para a viagem, então decidi substituir a bike pelo treino de corrida (mais curto).
E assim fui. Ao chegar à praia – quatro quadras da minha casa, meu quintal - o primeiro pensamento foi agradecer a Deus pelo privilégio de estar ali, vendo a manhã nascer com suas cores suaves, um mar azul e calmo. O treino já se tornou mais que uma prática esportiva. É também um momento de refletir e socializar. A cada passada um pensamento, um “bom dia” e por ai vai. Naquele dia não foi diferente. Ao longo do caminho fui encontrando os amigos de sempre, companheiros do treino de corrida e bicicleta. Entre eles um senhor que vez ou outra pedalava na praia.
- Você se incomodaria se eu tentar acompanhar você no pedal?
- Imagina. Sem problemas.
Lembro-me que esse foi nosso primeiro contato e ao vê-lo naquela manhã pensei: pois é amigo, hoje quebrei a rotina. Você vai pedalar sozinho.
Nos feriados e fins de semana é comum ver motoristas em atitudes irresponsáveis. Por isso mesmo é que alguns amigos nunca cansam de me pedir cuidado. Mas só agora as palavras do amigo Hélcio realmente soam fundo... “Antes de sair para treinar eu sempre peço a Deus que me proteja. Nós nunca sabemos quem vamos encontrar pelo caminho”.
Estava com 50’ de corrida, faltando pouco para chegar em casa, quando passaram por mim o amigo ciclista – devidamente equipado - e um desses motoristas estúpidos que colocam em risco suas vidas e as de tantas outras pessoas.Não se passaram nem dois minutos se passam de corrida e quanto olho para frente vejo apenas um aglomerado de gente e uma pessoa estendida no chão. Não acredito... Aquele motorista atropelou uma pessoa. PQP. PQP!!!
Continuei correndo, tentando entender o que estava vendo, quando um carro se aproxima de mim. Era um dos conhecidos das caminhadas na praia, indignado: um rapaz embriagado acabou de atropelar um ciclista. Será que você conhece? Naquela distância não conseguia identificar quem pudesse ser, mas a primeira pessoa que veio a mente foi o “cara da Trek branca”. Comecei a correr mais rápido e a cada passada a preocupação aumentava, junto com uma explosão de indignação e a raiva. Era ele, o cara da Trek branca que havia tentado me acompanhar na semana passada.
As pessoas que estavam ao redor, olhando a cena, não sabiam o que faze e quando me aproximei , correndo, olharam para mim como se eu pudesse resolver algo. Foram logo me entregando o relógio do tal ciclista e perguntando quem era ele. Mas eu não sabia seu nome, a quem avisar do acidente ou o que fazer. Segui apenas o instinto e pensei no que precisaria se estivesse em seu lugar (não fosse a quebra da rotina, eu estaria pedalando naquela manhã). Ajoelhei ao seu lado para ver se estava acordado. O que vi foi um homem de respiração ofegante, imóvel, extremamente machucado (desnecessário mencionar os detalhes) e sangue por todos os lados. O impacto da pancada quebrou o pára-brisa do carro e não tinha idéia do estrago que teria feito por dentro dele. Por instantes tive medo que ele parasse de respirar, que tivesse uma convulsão ou qualquer outra coisa do tipo. O que fazer? Sabia apenas que não deveria tentar deixá-lo imóvel até a chegada do socorro.
Então coloquei as mãos em suas costas, me aproximei do seu rosto e fiquei conversando com ele. Tentando acalmá-lo e, intimamente, pedindo a Deus que ele “resistisse” até a chegada da ambulância. Os minutos pareciam intermináveis, mas, aos poucos, a sua respiração se normalizou e eu me tranqüilizei.
- Você consegue dizer seu nome?
Nada! Nem uma palavra. Apenas um olhar vago.
Fiquei ali até que o socorro chegasse. Foi quando pude olhar para os lados e ver que a bicicleta havia se transformado em um monte de ferro retorcido. O que fazer agora? Ele vai entrar nessa ambulância só? Para onde iria? Como avisar a família? Quem eram seus familiares? E a bicicleta, o que fazer com ela? Não havia ninguém ali que o conhecesse e pudesse acompanhá-lo. Pensei em fazer esse papel, mas faltavam menos de três horas para meu vôo. Então tentei sensibilizar uma das pessoas conhecidas que assistiam a cena, mas não deu muito certo... “Meu Deus... poderia ter sido um de nós ali, naquele dia. Poderia ter sido eu. Ele não poderia ficar só, naquela situação”. Senti-me angustiada e com uma enorme sensação de egoísmo.
Na minha limitação, o que pude fazer foi convencer algumas pessoas de ser um canal de contato para os socorristas, caso não conseguissem entrar em contato com a família do ciclista. Pensei em me voluntariar, mas não estaria em Maceió, e dessa forma não poderia resolver muita coisa. Pedi ainda ao vigia do clube onde nado (que também assista a cena) que guardasse o que havia restado da bicicleta.
E assim, sem ter mais o que fazer, vi aquele rapaz ser levado ao hospital. Chocada, indignada, enfurecida, assustada com a fragilidade de nossa vida. Agora sim compreendendo os pedidos de cuidado, vindos de todos os lados. Poderia ter sido eu naquela manhã, poderia ter sido um dos amigos mais próximos.
O que aconteceu com o ciclista? Ao chegar ao Rio, busquei informações e soube que ele estava fora de perigo. O que aconteceu ao motorista? Não sei. Mas o que vocês acham que pode acontecer num País onde grande parte da sociedade e seus governantes ainda preferem aceitar que esses “acidentes” são decorrências naturais de um conjunto de fatalidades? Onde, anualmente, 34 mil pessoas morem em acidentes de trânsito, 400 mil ficam feridas e.... Quantas mesmo são presas?? Um País onde a faixa de pedestre é apenas um mero detalhe pintado no chão das ruas e onde pagar ou não multa de trânsito depende do tamanho do seu “network”?!
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
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