quarta-feira, 23 de agosto de 2006
Iron 70.3 (2ª parte)
Impossível saber o que se passava na cabeça deles durante aquelas cinco horas e tanto de prova. Mas posso falar do que vi e senti.
As quatro e pouco da manhã, quando me preparava para sair de casa, pensei: “Vou acompanhar a largada, tirar algumas fotos dos meninos e ficar por ali, na área de transição, para vê-los entre as passagens. Ah! Lógico, também vou levar um livro pra passar o tempo. Procurar uma árvore... uma sombra. É só ter um pouco de paciência e as horas passarão rapidinho”.
A previsão era de que os meninos terminassem a prova em, no mínino, 5h30min. Também pensei em aproveitar o tempo para comprar algo na exposição que estava tendo por ali... uma camisa.... coisas do tipo. Ou, quem sabe, tentar perder o medo de bung jump, já que eles haviam montado uma estrutura para salto dentro do evento.
Mas acontece que meus planos não saíram da forma como imaginei...
Como minha idéia era registrar todas as etapas da prova, depois da largada corri para o local onde os atletas sairiam da água pra tirar fotos dos meninos. Os favoritos logo chegaram e estava preparada para esperar pelos nossos mosqueteiros pacientemente. Mas, quando menos espero, com pouco mais de 20 min (precisos 28’18”), eis que surge o Fabrizio. Sem nenhum traço de cansaço. Entre surpresa e feliz, resolvi esperar mais um pouco para tentar fazer fotos dos outros amigos.
Mas também queria registrar a saída deles de bicicleta. Então pensei: “Espero eles saírem da água e corro para tentar pegar a transição para bike. Depois... vou para sombra”. O sol já estava começando a tostar meus ombros.
Acontece que a diferença entre o tempo dos meninos na natação não permitiu esse registro tão fiel. Tavares saiu da água com 31’28” e Hélcio com 35’19”. Ou seja, consegui fazer a foto do pedal de apenas dois mosqueteiros.
- E agora? Tenho que fazer o foto do Fabrizio. Ele não pode ficar sem o registro do pedal. E depois, serão 90 km de ciclismo (divididos em três voltas de 30 km)... Não dá pra ficar aqui, sentada, sem saber o que se passa no asfalto. Vou assistir ao menos a primeira volta.
Então procurei um lugar por onde os atletas passariam e fiquei esperando. Naquela altura do campeonato a “quentura” já estava matando. Olhei para sol, para as sombras e pensei: “Depois que eles passarem por aqui vou lá para dentro, sentar na arquibancada coberta, e esperar lendo meu livro”.
Na primeira volta consegui ver apenas o Fabrízio e Hélcio... nada do Tavares. A preocupação começou a bater. “Caramba! Será que aconteceu alguma coisa?”. Lógico que depois disso decidi ficar e assistir a segunda volta. Não poderia ficar na expectativa, sem saber o que teria acontecido a ele. “Será que não vi o Tavares passar? Será que ele quebrou? Poxa vida, cadê o ‘Tata’?” Sabia que ele estava com uma lesão muscular e tinha medo que houvesse acontecido algo. O ‘negão’ tem raça, mas não é de ferro (embora seja um Iron Man).
O tempo entre uma volta e outra era suficiente para ir ao banheiro e procurar algo para comer. Detalhe: lembrei do livro e esqueci a comida – o vacilo do dia. Mas descobri que por perto não havia nenhum lugar para comprar comida e a única barraca de alimentação do evento ainda estava fechada.
Constatado o fato de que teria que me abstrair do café da manhã, voltei correndo para a rua. Durante a espera, uma conversa aqui... outra ali... e pude confirmar de que realmente a organização do Iron escolheu o pior trecho de asfalto de Brasília para compor o ciclismo. A cidade teve o asfalto todo reformado, mas ali, justamente ali, havia pedaços recapeados que faziam as bicicletas trepidarem.
Na segunda volta o Fabrízio ainda estava na frente dos outros mosqueteiros. Quase não acreditei. Ele, novato no triathlon de longa distância, estava conseguindo se manter muito bem na prova. Aliás, todos estavam muito bem tendo em vista as condições tão adversas do clima no planalto central. O sol cada vez mais forte e a umidade cada vez mais baixa.
Quando eles saíram para completar a terceira volta de bike, finalmente resolvi ir à área de transição para buscar uma sobra e fazer as fotos da corrida.
Reta final
Enquanto estava lá, esperando, pude observar um pouco mais da organização da prova. Para cada atleta que chegava à área de transição, onde deixariam as bikes e sairiam para correr, havia um staff responsável por recolher sua bicicleta e levá-la com cuidado ao bicicletário.
A comunicação por rádio entre os organizadores dava a noção exata de como estava a competição. Ali também pude prestar mais atenção aos paratletas, entre eles havia um sem parte da perda esquerda. Pessoas como ele são exemplos de superação. Quantas barreiras arrumamos para não realizar nossos desejos e objetivos? Mas essa é uma discussão para o próximo momento.
Durante a espera, tentava passar “boletins de notícia” para dois outros grandes amigos que estavam distantes, na torcida e expectativa... Júnior e Josemar.
Fabrizio foi o primeiro dos mosqueteiros chegar do ciclismo, depois de 2h25, e sair para corrida. Mas Tavares e Hélcio não estavam muito atrás. Os dois fizeram o tempo de 2h44, com poucos segundos de diferença.
Finalmente, cerca de 10h30 da manhã, todos eles já estavam correndo. E o sol? Ah!!!!!!!! O sol... também estava lá. Lindo, tórrido. Pensei: “Agora é a hora da sobra. Mas... peraí! Tenho que ver como será a corrida deles. Não dá pra ficar aqui, sem saber como estão”.
Por ter feito algumas corridas de rua em Brasília e por estar a cinco meses fazendo meus treinos na cidade, sabia que aquela talvez fosse a parte mais dura da prova. Sol de esturricar + asfalto queimando + ar seco + umidade de 20% + subidas... realmente não seria nada fácil.
Fiquei próxima de um dos postos de abastecimento de água, no km 10, para ver como estavam os meninos e tentar animá-los para os 10 km finais. Ainda tinha receio que Tavares tivesse problemas na corrida, por causa da tal lesão. Mas para minha alegria ele chegou ao km 10 inteiro. Foi o primeiro dos mosqueteiros. Entretanto, para meu desespero, vi a água que estava sendo distribuída aos atletas acabar (erro do staff que sequer comunicou a organização sobre o fato). Se o calor estava desesperador par nós, que estávamos assistindo a prova, imaginem então para quem estava correndo.
Quando Tavares passou por mim, tentei avisá-lo sobre a falta de água. No ponto em que estava os atletas passavam por mim indo e voltando do km 10. E minha intenção era que ele conseguisse raciocinar (mesmo com aquele sol de rachar) e não tomasse o gel que estava sendo distribuído no posto anterior ao que eu estava. Gel sem água... não dá! Mas acontece que quando disse: “Tavares, se liga que aqui está sem água”, ele só ouviu: “aqui tem água”.
Resultado... desceu o gel goela abaixo.
Naquele meio tempo, na agonia da água que não chegava, pensei em pegar o carro e sair em busca do líquido precioso. Mas as ruas na proximidade estavam todas interditadas e teria de descobrir algum caminho alternativo. Pensei que aquilo pudesse levar muito tempo e com certeza a organização seria mais ágil para fazer a reposição.
Infelizmente, quando Fabrizio passou por mim na ida para o km 10, a água ainda não havia chegado. Minha preocupação com ele era maior que com os demais, por dois motivos: 1º porque sabia que aquela era sua estréia; 2º porque já tinha o visto desistir de algumas provas e torcia muito para que aquilo não se repetisse ali. Pensei: “Vou avisá-lo que a água acabou. Vou falar para ele ficar firme, para não desistir. Mas pera aí.... se disser para ele não desistir ele pode achar que está muito mal e isso pode deixar o psicológico dele abalado”.
Nessas horas, não sei se é assim para todo mundo, mas penso até no que dizer e não dizer para não prejudicar o emocional de quem está competindo.
Então, quando Fabrizio passou apenas orientei para que não tomasse o diacho daquele gel. Assim como Tavares, ele também chegou inteiro ao km 10, mas confesso que o peito doeu ao ver sua expressão quando soube que não havia água por ali.
Bem, a água foi resposta e quando Hélcio passou a situação já estava normalizada. Mas o calor.... continuava lá. Causticante!
A chegada
Depois que os nossos mosqueteiros passaram, fiz os cálculos e vi que faltavam cerca de 40’ para a chegada do Tavares. Naquele meio tempo poderia procurar algo para comer. Mas foi tudo em vão! Nada de comida!
- Então vou procurar a Viviane, esposa do Hélcio, e uma sombra na arquibancada para esperara pelos meninos.
Mas acontece que outras 999 pessoas chegaram na minha frente. Nada de sombra, nem arquibancada. Só me restou um brechinha no sol, perto da chegada. O que não me favorecia um bom ângulo para fotografar.
Fiquei lá... consumindo o resto a ansiedade, vendo os atletas chegarem (entre eles o tal paratleta)... a espera do Tavares. O vencedor da prova Oscar Galindez, já estava no seu merecido descanso depois de ter completado a prova em 4h04min.
A chegada do Tavares teve transmissão “ao vivo” para Maceió. Estava ao telefone com Josemar quando o avistei ao longe, há poucos metros da linha de chegada, depois de 5h16 de prova. Desculpem, mas não tenho como descrever a emoção desse momento. Digo apenas que tremia tanto que não consegui encontrar foco para a foto. A imagem que ficou foi uma tremedeira só. A emoção e tremedeira foi a mesma com a chegada dos amigos Hélcio e Fabrizio, que completaram a prova em 5h28 e 5h40.
Ufa! Acabou! Apesar do cansaço, todos chegaram bem, felizes! Felizes de mais da conta!
Cada um contando de si... da sua visão sobre a prova e de como passou pelos “perrengues”... mais uma vez surgiu a pergunta: o que motiva essas pessoas estarem aqui? Estilo de vida!
terça-feira, 22 de agosto de 2006
70.3 do começo
Quando o Júnior ligou e deu a notícia de que três de nossos amigos viriam à capital federal participar do Iron Man 70.3 não tinha bem a noção de como seria aquele domingo – 20 de agosto de 2006.
Estava contente em poder recebê-los (matar a saudade depois de tantos meses distante) e disposta a ajudar no que fosse preciso. Afinal, bem sabia que viajar para fazer uma competição fora de casa é, sem dúvida, um momento de tensão. Estar sozinho em uma cidade estranha pode tornar as coisas ainda mais desgastantes.
Bem, dias depois do telefonema, procurei saber um pouco mais sobre a tal prova. No site oficial da competição, tive acesso às informações básicas: um triathlon de longa distância. O que significa: 1.900m de natação, 90km de ciclismo e 21km de corrida. Até ai tudo bem. Outros amigos já haviam participado deste tipo de competição, o que tornava o fato relativamente comum. Tornava! (passado)
Na sexta-feira passada comecei a sentir que aquela prova seria diferente do que imaginava. Embora Tavares, um dos “três mosqueteiros” já tivesse desembarcado na cidade, minha ficha ainda não havia caído. Foi apenas à noite, enquanto esperava Fabrizio chegar, no saguão do aeroporto, é que senti aquele famoso friozinho na barriga. Durante a espera, pude acompanhar o desembarque de outros atletas. Alguns vinham sozinhos e outros eram recebidos por amigos... mas, TODOS, traziam a mesma expectativa indisfarçável no olhar, como se estivessem tentando fazer o reconhecimento da terra estranha. Expectativa, aliás, que também estava visível na fisionomia do nosso amigo.
Preparativos
No dia seguinte, o calor e a baixa umidade da cidade já davam a dica de que o domingo de prova não seria nada mole. Mas seria espetacular. Nos encontramos, eu e dois dos mosqueteiros, logo cedo. Tínhamos de ir ao local onde estavam sendo distribuídos dos kits de prova e tomar conhecimento sobre os detalhes da competição.
Ao ver as áreas de transição, largada e chegada da prova, a minha expectativa começou a crescer. De imediato, fiquei impressionada pela organização. Seria difícil tentar descrever o trabalho realizado por aquelas centenas de pessoas. Tudo extremamente alinhado, programado, cronometrado. Quase impecável!
Parte da prova começava mesmo na véspera, com o check in das bicicletas. No sábado, todos os atletas tinham de deixar na área de transição as suas “magrelas” e o material que seria utilizado durante a competição. Sacolas de cores diferentes eram utilizadas para guardar os apetrechos da natação, ciclismo e corrida. Tudo ficava pendurado em araras enormes, o que facilitaria o acesso dos atletas. Uma prática simples e extremamente eficaz. Na área de transição também haviam tendas para a troca de roupa e diversos banheiros químicos. Mas como disse, essa é apenas uma pobre descrição sobre a forma de organização.
Paralelo a toda essa movimentação, observava que ali se reuniam pessoas de diferentes estados e até nacionalidades. Também haviam esposas, maridos, namoradas e filhos.
Por momentos pensei: "O que faz essas pessoas viajarem milhas e milhas, acordar às tantas da madrugada para estar aqui. O que me faz estar aqui, agora?" As respostas reforçavam em mim a certeza de que escolhemos não apenas um esporte, mas um estilo de vida.
Poucas horas....
Já sentindo a expectativa do que estava por vir, dormir naquele sábado foi um tanto difícil. O despertador programado para às 4h, foi substituído pela preocupação... O medo de não acordar no horário certo e atrapalhar os meninos, me fez despertar várias vezes durante a noite. E se eu, mera expectadora, já estava daquele jeito... imagine eles. Pra nenhum de nós deve ter sido fácil dormir naquela noite.
Às 5h em ponto já estava na porta do hotel onde dois de nossos amigos estavam hospedados. O terceiro, com a esposa e filha, havia ficado em um hotel mais próximo ao evento.
Embora a largada da prova estivesse marcada para 7h e os atletas tivessem até 6h40 para pintura e checagem final dos equipamentos, queríamos chegar logo. Não apenas pela expectativa, mas para prevenir contratempos.
E... mesmo tendo entre nossos atletas um virginiano (pessoas que têm como uma de suas características a pontualidade) tenho que admitir: eles são um bocado enrolados. Então... checa e “recheca” tudo antes de sair. Procura, acha, perde novamente.
O bom disso foi que ganhei uns minutos extra para cochilar enquanto esperava os meninos acabarem de tomar banho e organizar os equipamentos.
- Tá tudo certo?
- Tá!?
- Então... vamos simbora!
Às 5h40 finalmente saímos. O coração já estava na garganta. A 1h20min que faltava para a largada passou rapidinho. Foi apenas o tempo de fazer a pintura dos atletas, dar uma última olhadinha nas bicicletas, nos equipamentos, vestir a “roupa de tubarão” (apelido carinhoso para o neoprene) e quando menos esperamos já estava todo mundo no píer onde seria a largada.
Faltando poucos minutos para o início da prova, alguém da organização gritava, aos montes, tentando encontrar o dono de uma tornozeleira perdida. Todos os atletas tinham de usar uma tornozeleira com um chip de identificação. Perde-la significava a desclassificação imediata.
Imaginar o desespero daquele atleta ao perceber que havia perdido seu chip, fez minha adrenaliza aumentar ainda mais. E ver aquele mar de gente caindo na água fez o coração parar na boca. Não sei se estava tão nervosa quanto os meninos, mas, a emoção de vê-los naquele desafio, me fez chorar na largada da prova.
Olhar de fora
Impossível saber o que se passava na cabeça deles durante aquelas cinco horas de tanto de competição... mas posso falar do que vi e senti... (continua!)
domingo, 13 de agosto de 2006
A Arte de perder
Tantas coisas contêm em si o acidente de perdê-las,
Que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia.
Aceite, austero, a chave perdida,
A hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente da viagem não feita.
Nada disso é sério. Perdi o relógio de mamãe.
Ah! E nem quero lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império que era meu,
Dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada.
Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça muito sério.”
Elizabeth Bishop