domingo, 15 de julho de 2007

Pelas barbas do profeta

Acostumada, por conta do trabalho, a passar algumas noites fora de casa, essa era pra ser apenas mais uma semana dormindo há milhares de quilômetros dos meus travesseiros.

Tudo muito comum não fosse a infeliz idéia de dividir o quarto de hotel com um casal de colegas que também estaria no planalto central naqueles dias. ‘Nada de mais’, pensei comigo - levando em consideração apenas o fato serem amigos de longa data e que não me causariam nenhum tipo de constrangimento.

O fato de não serem do tipo que adoram uma noitada e não saírem à ‘caça’ só porque estão fora de casa pesou a favor. Depois, a divisão de quarto não seria por toda semana, apenas quatro dos sete dias que ficaria na cidade, o que me deixaria à vontade para acordar cedinho ou assistir filme até de madrugada. ‘Será ótimo! Não terei nem tempo para sentir saudades de casa’. Quanto engano!

Da querida dupla dinâmica, um deles – ele - foi meu pesadelo. Se fossemos um casal, essa viagem teria sido o início de uma crise conjugal. Embora todos os pontos positivos da personalidade do meu amigo e mais embora ainda a admiração que tenho por ele, descobri um fator incontestavelmente inaceitável: seu ronco. O abominável ronco.

Logo na primeira noite fui acordada por um barulho estranho, ainda que não muito alto. Era o ronco. Pois é... Quem vê cara, não vê coração... E bem menos o sistema respiratório. Como poderia imaginar?!

Mas, a noite passou sem tantos transtornos e não me incomodei com fato, que julguei perfeitamente administrável por mais três noites. Mal sabia eu que, na verdade, aquele era apenas um aperitivo do que estava por vir.

Foi na segunda noite que o bicho começou a pegar. Descobri que não é apenas a sensação de fome que me deixa irritada, não conseguir dormir também é algo problemático. Não que seja daquelas pessoas que precisam de silêncio absoluto, mas há barulhos e ‘barulhos’. Na época de residência universitária estava acostumada a dormir ouvindo batucada de samba, conversa fiada, televisão e todos os tipos de sons possíveis e imaginários. Mas, o tempo vai passando, as mordomias da vida de solteira aumentando e as manias também.

Nesse dia, não era nem batucada, nem ‘convesaiada’, o que embalava meu sono era a narração do jogo México X Argentina. A cada lance e-mo-ci-o-nan-te o locutor soltava seu famoso jargão, em som alto e rouco: ‘pelas barbas do profeta’.

Até aí tudo bem, embora ali já fosse o começo da contagem regressiva para as 5h30, hora em que ‘acordaria’ para dar minha corridinha matinal no parque da cidade.
A certa altura meu colega de quarto desligou a TV e relaxei. Quero dizer, pensei em relaxar.

Aos poucos, o silêncio da noite foi sendo invadido por um som estranho, vindo não sei de onde. A princípio pensei que estivesse sonhando e que acordei imaginando ter sido aquilo um pesadelo. “Mas se já estou acordada, porque continuo a ouvir esse barulho”? Ô meu Deus... Ele está roncando de novo... E mais alto ainda. ‘Pelas barbas do profeta’.

Talvez meu sono fosse maior e talvez ele não estivesse tão relaxado, a sinfonia teve momentos de trégua no decorrer da noite e consegui dar minhas cochiladas.

Durante o dia fiquei imaginando o que fazer para não cair na armadilha do ronco na noite seguinte. Bolei uma estratégia. O plano consistia em tentar me cansar ao máximo possível para desmaiar quando chegasse ao quarto e, assim como nossa outra colega, não acordar nem mesmo com um terremoto.

Então marquei uma corrida no parque com dois amigos (‘pangarés’ amados) e saí para matar as saudades de locais que freqüentava quando morava no planalto central. Ao retornar ao hotel meu colega já dormia, melhor, já roncava. ‘Putz! Me dei mal. Já sei, vou assistir TV até capotar’.

Outro engano! O sono havia chegado e quanto mais cansada ficava, mais aquele som ecoava em meus tímpanos. Numa mistura de irritação e desespero, começava a invejar o sono de pedra da ‘bunita’ que dormia na cama ao lado.

‘Vou acordá-lo. Mas não adianta, essa porcaria de ronco é uma doença. Só vou deixá-lo constrangido e ficarão os dois acordados’ (Mulheres Boazinhas Não Enriquecem, já dizia o título de um livro. Mas no meu caso, elas também não dormem).

Então, às 3h da manhã ligo para recepção do hotel, mas descubro que não havia nenhum quarto disponível. Já estava no limite de um ataque de nervos, e olha que nem estava na TPM.

Em meio aquele pesadelo fiquei imaginando como seria a quarta noite juntos e me desesperava ainda mais. As horas passaram lentamente até o momento de saltar da cama.

Junto ao ‘bom dia’ costumeiro veio a pergunta: dormiu bem? Poderia parecer irônico, mas ele era sincero. Claro que tive de dizer da minha noite em claro. Estava prestando um serviço de utilidade à sua esposa, afinal, santo de casa não faz mesmo milagres. Mas essas são daquelas coisas que só acredita quem vê, neste caso, quem ouve. Depois, não fosse minha cara de trapo e as olheiras, poderia ser exagero da minha parte. Como saber, se um roncava, outra hibernava e apenas eu de testemunha?

Como foi a quarta noite? Bem, antes de entregar os pontos, tentei de todas as formas remarcar meu vôo para aquele dia mesmo. Afinal, se fosse para passar a madrugada acordada, que fosse voando para casa.

É claro que, entre amigos, o episódio se tornou motivo de muita piada. A amizade continua a mesma com as conclusões de que 1) nunca mais iremos dividir o mesmo quarto e 2) ronco tornou-se quesito eliminatório no meu ‘processo seletivo’.

E, sem vôo disponível para aquela noite, o jeito foi seguir o conselho da ministra ‘relaxar... ’. Só relaxei!

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